Perfil

A dura vida numa calçada ou barraca

Pelotas possui entre 250 e 340 pessoas em situação de rua atualmente, segundo a Secretaria de Assistência Social

Carlos Queiroz -

A vida na rua é dura. E também é difícil traçar um perfil de quem está nesta situação. Dados do Centro Pop apontam que a maioria dos atendidos pela instituição é formada por homens jovens usuários de substâncias como álcool ou drogas. Mas há uma grande variação, com casos itinerantes de pessoas que temporariamente enfrentam o mesmo cenário, migrantes e até aqueles que retornaram aos seus lares. No primeiro trimestre deste ano, a coordenação da Proteção Social Especial de Média Complexidade da Secretaria de Assistência Social (SAS) de Pelotas teve 242 usuários acessando os serviços públicos oferecidos pela pasta. Já nas abordagens sociais do serviço especializado, nas ruas, foram cerca de 346 pessoas atendidas.

A coordenadora da Proteção de Média Complexidade da SAS, Andréia Iriart, aponta a pandemia como um dos fatores responsáveis pelo aumento de pessoas vivendo na rua, com a crise econômica e o fechamento de postos de trabalho. O Consultório na Rua, serviço oferecido pela Secretaria de Saúde (SMS), identificou 109 novas abordagens desde janeiro deste ano até o último dia 20. São 645 prontuários registrados em 2022. A SAS estima a população em situação de rua na cidade ficando entre 250 a 340 pessoas. “É um número que não tem como ser fechado. Tem pessoas que passam pela cidade, tem trecheiros, tem migrantes, tem pessoas que chegam, ficam uma semana, usam o serviço (...) e logo vão”, explica. Para exemplificar: 18 estrangeiros, como venezuelanos, uruguaios, argentinos e equatorianos foram identificados.

Os serviços são usados, por exemplo, por guardadores de carro, segundo o coordenador da Alta Complexidade e da Casa de Passagem, Juliano Nunes. “Eles acabam utilizando os restaurantes populares e o Centro Pop durante o dia, mas à noite retornam às suas comunidades”. Atualmente, o Restaurante Popular serve 376 refeições diárias, em média, divididas entre a rede de referência, gratuitas, e as refeições a R$ 2,00 para quem possui Cadastro Único. A SAS, inclusive, vem mapeando os guardadores, justamente para entender melhor seu perfil e suas necessidades.

O perfil da pessoa em situação de rua
Homens, entre 18 e 39 anos de idade, com histórico de álcool e drogas, na região do Centro. Esta estatística foi levantada pelo Centro Pop, serviço de referência para pessoas em situação de rua. Além do uso de álcool e drogas, há casos de perdas de vínculo com familiares, o que faz com que os indivíduos parem nas ruas. Não há, atualmente, nenhum registro de famílias inteiras nesta situação, segundo a pasta.

Quem se encaixa exatamente neste perfil é João Adriano de Paula, 32 anos. Ele havia estado em situação de rua na adolescência e, há cerca de três anos, após o divórcio, acabou retornando. Hoje dorme em uma barraca montada nas imediações do Colégio Pelotense. “Todo mundo que tá aí, vagando, tem uma dor. A gente que usa álcool e droga fica aqui na rua para não causar flagelo em quem a gente ama”, explica.

Ele deixou a rua aos 14 anos, quando casou pela primeira vez - são seis vezes, no total. “Eu sou aquariano, o sentimento bate e a gente se flagela. Mas agora a mulher me deixou e a droga é para distrair a cabeça”, conta. Ao longo do período fora das ruas, trabalhou em setores como mecânica e construção civil, quando acabou sofrendo um calote de um patrão e indo à falência. A quebra econômica, somada à separação, afetou sua vida. Agora, aguarda a SAS finalizar seus documentos para tentar retomar seu caminho.

Na barraca onde mora, acaba acolhendo outros moradores de rua. Na tarde desta terça (26), estava secando os pertences, molhados pela chuva da última segunda-feira, na companhia de um amigo. Apesar da situação, ele mantém o otimismo quanto ao futuro. “Eu não tenho nada e ajudo quem também não tem. E trato todo mundo bem, mesmo quem me xinga. A Bíblia manda dar a outra face e isso significa agir pelo bem”, finaliza.

Integralizando os trabalhos
“É um trabalho intersetorial, não é só a Assistência Social que acaba fazendo este atendimento”, ressalta Andreia. “É uma responsabilidade de todas as secretarias”, conclui.

Na Saúde, por exemplo, são 12 redutores de danos. Além do trabalho multidisciplinar do Poder Público, existem cerca de 52 instituições, divididas entre ONGs, grupos, projetos, igrejas, entre outros que contribuem com moradores de rua. Segundo a diretora de Média Complexidade da SAS, Paola Fernandes, muitas vezes a população de rua acaba criando vínculos com essas pessoas, em vez dos servidores, e isso, por vezes, dificulta a aproximação. No entanto, Paola avalia que o trabalho voluntário é sempre bem-vindo.

Uma maneira de unificar o trabalho do Poder Público está sendo a criação de um trabalho integrado através da Política Municipal para pessoas em situação de rua, que envolverá as mais diversas frentes de atendimento, como saúde, habitação, redução de danos, assistência social, entre diversos outros. “A saída é integralizar”, pondera Paola. Justamente pela necessidade de construir vínculos com as pessoas, organizar as responsabilidades e demandas. A criação da Política Municipal está em fase de implementação, baseada na Política Nacional, há cerca de dois meses, e está em um momento de organização do mapeamento dessas pessoas.

A geração de identificação com as pessoas é o primeiro passo para criar o vínculo, possibilitando oferecer as intervenções disponíveis, como a condução para atendimentos em saúde, vacinação, emissão de documentos, redução de danos, chegando até a prática de cursos profissionalizantes. “Cada um possui um contexto social”, pondera Paola, dizendo que as necessidades de cada pessoa são diferentes. “Nosso trabalho tem que ser quase incansável”, finaliza Andrea.

Como ajudar?
A SAS oferece um telefone para a população ligar para informar quanto a pessoas em situação de rua e organizar abordagens. O telefone é o (53) 3222-1587. Para quem quiser ajudar, há também a possibilidade de participar da Campanha do Agasalho. Para doar basta comparecer à sede da Secretaria, à rua Marechal Deodoro, 404, esquina com a rua Três de Maio. Além disso, a equipe pode buscar as doações, caso não haja possibilidade de o doador levá-las ao local. Para isso, basta entrar em contato pelo telefone (53) 3309-3600 que as doações serão recolhidas, quando possível, dentro da escala de saídas.

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